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Passinho dos Maloka: a nova onda do brega-funk

A dança é um dos elementos característicos na recepção de uma música. Nem toda música resulta em uma coreografia, mas toda coreografia resulta daquilo que a música transmite ao ser tocada. Com o passar do tempo, os dois elementos unidos –ou não- modificaram-se, evoluíram e ganharam especificidades tradicionais de cada região.
 

Um desses casos de “match perfeito” entre a dança e a música é o Passinho dos Maloka, que vem dominando as paradas de sucesso e as ruas da capital pernambucana desde o Carnaval de 2019, quando tomou conta dos palcos das maiores festas da capital e caiu nas graças de personalidades com Pabllo Vittar, Wesley Safadão e Léo Santana. Para entender melhor o movimento, precisamos voltar um pouco no tempo e pousar no Rio de Janeiro.
 

O Passinho não é inédito, ele surgiu na capital carioca, misturando as batidas do break, funk, samba, frevo e o kuduro, de acordo com Emílio Domingues, diretor do documentário “A batalha do Passinho”, lançado em 2013. Com a disseminação do movimento, o Passinho ganhou os holofotes do mundo, quebrando o racismo imposto pela sociedade e alcançando a terra da rainha, a Inglaterra, apresentando-se na final dos Jogos Paraolímpicos de Londres, em 2012. Em 2013, o Passinho contagiou um dos ícones da música pop americana, Beyoncé. Naquele ano, a cantora levou a dança ao seu show, no Rock in Rio. Além disso, o cantor latino Ricky Martín deu vez e voz ao Dream Team Passinho, em 2014, no clipe “Vida”.
 

Por ser um movimento com maior número de adeptos vindos dos morros cariocas, o Passinho enfrentou –e ainda enfrenta- um processo de rejeição da sociedade, devido ao preconceito. “As pessoas e o próprio Estado marginalizam os movimentos periféricos, uma boa parte ainda não reconhece a voz da periferia como algo forte e bom”, explica Gabriel Gustavo Albuquerque, o GG Albuquerque, pesquisador do departamento de Comunicação da UFPE.
 

A rápida, porém, dura ascensão do Passinho, é a significação da luta do povo periférico, afirmando que esse movimento tem lugar definitivo na identidade cultural brasileira. Com a expansão, reconhecimento e valorização do movimento, que virou ‘Patrimônio Cultural Imaterial do Povo Carioca’, pela Lei n°390 de 2017, outros Estados uniram forças e incorporaram o Passinho à sua cultura, adaptando a dança com elementos típicos de cada região. Em BH formou-se o Passinho Malado, em SP, o Passinho do Romano e o Passinho dos Maloka, em Recife, por exemplo.

 

A capital ao som do batidão

 

Em terras pernambucanas, o movimento ganhou uma nova identidade, adaptando a tradicional coreografia do funk, ao brega-funk. O brega-funk é uma mistura do ritmo genuinamente pernambucano, o brega, que apresenta traços de romantismo, com o flow do hip-hop, as batidas do tecnobrega e, principalmente as letras do funk. A versão recifense aposta em coreografias que movimentam os braços e a região do quadril, em alusão movimentos sexys direcionados para a região pélvica. Sarrada, puxada, laço e ombrinho são os nomes dos principais movimentos, aprenda aqui

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“Eu conhecia o Passinho do Romano, de São Paulo, aí como já dançava swingueira aqui, fui misturando as danças e criei minha coreografia para dançar Passinho. Hoje deu no que deu, todo mundo dança o Passinho”, explica Márcio de França, o Soldado, integrante do grupo Maloka de Peixinhos, formados por moradores do bairro homônimo.

No Recife, o grupo “Magnatas do Passinho S.A”, composto por jovens moradores do bairro de Santo Amaro, área Central do Recife, viralizaram no Youtube, em outubro de 2018, alcançando a marca de 37 milhões de visualizações. No vídeo, o grupo dança a coreografia da música "Barulho da Kikada", dos MCs Niago, Seltinho Coreano e Reino.

Grupo 'Ozz Metralhas do Passinho' no Marco Zero. Foto: Na Cola do Passinho

A partir da disseminação do conteúdo, o Passinho atraiu rapidamente diversas pessoas, principalmente nas periferias, espaço onde foi massivamente divulgado. Assim, com a explosão da dança, novos grupos surgiram como “Ozz Malokas do Recife”, do bairro do Ibura; “Os Lokos do Passinho” e “Os Muleques da Base” do bairro Alto do Pascoal; além de grupos femininos como “As Magnatas do Passinho”, do bairro de Santo Amaro e “As Passinho” da comunidade do Coque.

Esses grupos começaram a montar novas coreografias, até que se iniciou a chamada ‘batalha do passinho’, onde os dançarinos competem para ver quem dança melhor. Esses encontros são articulados pelas redes sociais dos próprios grupos, que até o dia 1 de abril de 2019 movimentava, juntos, mais de 250 mil seguidores somente no Instagram, atraindo centenas de pessoas para os espaços públicos do Recife e Região Metropolitana, sendo o Marco Zero o palco principal dos encontros.
 

“A internet é nossa ferramenta principal de trabalho, o Instagram foi bom porque me deixou conhecido, consigo me comunicar com as pessoas que gostam da minha dança por lá, divulga nosso movimento e faz contatos para sempre está criando novos passos, novos encontros e parcerias”, explica Vytor Senna, dançarino de Passinho que atua em carreira solo.

 

A voz da quebrada

 

Liderado por jovens moradores das comunidades do Recife e Região Metropolitana, o Passinho dos Maloka desceu o morro e ocupou o asfalto, comandando os principais pontos e festas da capital Pernambucana.

O que era uma diversão, passou a ser fonte de renda. O Passinho vem mudando a vida de jovens que, através da dança, conseguem divulgar e dar visibilidade aos bairros onde moram, além de contribuir para o desenvolvimento social local. “Criamos uma escola de Passinho no nosso bairro porque tem muita mãe que chega para nós e diz ‘meu menino não pára de ver o vídeo de vocês, só quer dançar o Passinho’, eu fico muito feliz de ser inspiração para as crianças do bairro, mas deixamos eles cientes de que só podem ficar na aula de dança, se tirar nota boa na escola”, explica Soldado.
 

Os grupos criaram identidade para o movimento do Passinho e seguem na luta em defesa do reconhecimento do mesmo. De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, 97% da população do Grande Recife morava em bairros que possuem extrema carência de infraestrutura, ausência de oportunidades financeiras e educacionais. O problema tem como uma das causas apontadas pela pesquisa o número de desempregados no Estado que chegou a 12,1 milhões no quarto semestre de 2018, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad), divulgado também pelo IBGE. Dessa forma, a venda dos uniformes, os shows e os videoclipes feitos pelos jovens caracterizam-se como empregos informais e fonte de renda.
 

“Minha vida mudou muito depois que conheci o Passinho. Comecei fazendo sem me importar muito, mas aí quando fui ver as visualizações no youtube tinha bombado. Hoje consigo ajudar minha família, um vizinho e assim a gente leva nossa vida aqui”, afirma Binho de França, integrante do Maloka de Peixinhos.

Durante o carnaval deste ano, por exemplo, o Passinho ganhou ainda mais notoriedade e vários grupos do estilo musical se apresentaram em eventos, como na abertura do carnaval da Cidade do Recife, no Rec-Beat, e no Olinda Beer, ao lado de atrações nacionais como Léo Santana, Gabriel Diniz e Pabllo Vittar, que também divulgaram a dança nas próprias redes sociais, tornando o movimento conhecido em diversos estados do País.
 

Diante da popularidade, se mostrou uma forte representação e expressão cultural das comunidades, pois, através da dança, os próprios grupos puderam destacar o movimento como sinônimo de fuga da violência e das drogas, associadas frequentemente ao ambiente das periferias. O Passinho dá aos praticantes uma afirmação do seu valor enquanto indivíduos e a oportunidade de ganhar novos espaços ao sair dos limites de suas comunidades. “O passinho é uma forma de se afirmar e colocar a sua identidade na cidade, por isso os dançarinos estão ocupando espaços públicos e as redes, mostrando a sua importância.”, afirma GG Albuquerque.

O Passinho segue na luta para dar voz ao seus representantes, o futuro está nas mãos deles. A cultura periférica segue resistindo.
 

No vídeo a seguir, você pode conferir um pouco mais sobre a história do Passinho contada por quem o vive, dançarinos Pernambucanos:

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