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Passinho: mais um alvo para o preconceito e racismo institucional

“Eu estava em um encontro de Passinho e vi quando o polícia chegou, observou que um dos dançarinos tirava foto com outras meninas que estavam no local e foi até lá, pegou ele por trás e já foi batendo. Isso aconteceu porque ele estava com o cabelo pintado e usava uma camisa de Passinho”. Esse é o relato do integrante do grupo ‘Os maloka de Peixinhos’, Marcio de França, que presenciou uma situação de agressão contra um colega dançarino de Passinho durante um encontro no Marco Zero, no bairro do Recife.
 

Marcio contou que situações como essa, de preconceito e racismo por parte da população e da polícia, são frequentes porque as pessoas que dançam o estilo são constantemente alvo de estereótipos. “O preconceito é nítido. Quando falam Passinho dos malokas, muitos já pensam ‘isso é um maloqueiro que usa droga’, e grande parte desse preconceito vem da polícia militar que não quer saber quem é quem, e usa spray de pimenta em todo mundo em situações de confusão”, afirmou.
 

Segundo o também integrante do grupo ‘Os maloka de Peixinhos’, Fábio França, as agressões contra os dançarinos intimidam ele e os colegas que praticam a dança. “Eu vi a reportagem do policial que deu um tiro de borracha no olho do menino no Marco Zero durante um encontro e isso me deixou com medo. Algumas pessoas vão ao local e usam droga durante no evento, mas sempre dizemos ‘não usa isso aqui por perto para não prejudicar a gente, na tentativa de evitar que aconteçam brigas”, disse.
 

O dançarino do grupo ‘Os malokas S.A’, Artur Borges, relatou que os indivíduos que usam droga no local não são fazem parte dos grupos de Passinho. Segundo ele, são pessoas se infiltram nos encontros já na intenção de brigar e gerar confusão. “Não existe disputa entre os grupos de Passinho. A gente usa a camisa com o nome das comunidades já para mostrar que o meu bairro pode entrar em outra comunidade porque é tudo em prol da dança. Mas acontece de pessoas de outros locais se infiltrarem no meio para brigar e usar drogas e isso mancha a imagem da gente que só quer se divertir e expandir a dança até mesmo para fora do País”, contou.
 

Assim como relataram os outros dançarinos, Artur também reclama do tratamento policial com os integrantes do movimento. “A gente só quer dançar e fazer o bem, mas a polícia não sabe diferenciar quem vai ao local para brigar e quem não vai, e acaba ameaçando, xingando e até mesmo batendo nos dançarinos”, disse.
 

Em fevereiro deste ano, o MC Shevchenko e sua equipe foram ao Parque da Jaqueira, na Zona Norte do Recife, gravar um videoclipe da música “Pipoqueira”. O espaço foi escolhido por ter muitos vendedores de pipoca. Mas eles foram impedidos de filmar pela segurança do parque. “Fomos tratados como bandidos. Passamos vergonha por puro preconceito”, comentou o Shevchenko. O artista estava acompanhado do MC Colibri, do Rio de Janeiro, que participaria da gravação do clipe. “As pessoas de fora dão valor, porém o pessoal daqui não está tratando o passinho e o brega-funk como cultura, como um meio que está tirando muitas crianças e jovens da rua”, desabafou o MC pernambucano.
 

Esse preconceito institucional contra todas as culturas populares e periféricas do País é mantido, entre outras coisas, porque o Estado não tem interesse em promove-las, é o que afirma o pesquisador em Passinho Gustavo Albuquerque. Segundo ele, o movimento que ocupa locais públicos como o Marco Zero, o Parque Treze de Maio, no centro da cidade e o Parque da Jaqueira, passa pelo mesmo processo de rejeição que o brega e o funk. “Embora o brega, por exemplo, seja reconhecido como patrimônio da cultura pernambucana por lei, não temos uma política de incentivo e promoção dessa culturas porque o Estado não a trata como legítima”.
 

Gustavo contou ainda que o Estado que trata os movimentos periféricos com violência hoje, é o mesmo que fortaleceu durante o governo Lula, a disseminação dessas culturas através do acesso a dispositivos como computadores, tablets e celulares, que antes eram caros e de difícil acesso. “Se não fosse essa política de incentivo ao crédito e ao consumo, esses equipamentos não chegariam nas mãos das classes pobres e talvez o funk e o brega não fossem tão disseminados”.
 

O pesquisador aponta ainda soluções para acabar com a violência contra os grupos periféricos invisibilizados. “É necessário tirar esses movimentos do departamento de polícia, levar para uma secretaria de cultura e pensar em geração de renda. Muita gente vive do brega e não é só o cantor ou o dançarino, é a vendedora de tapioca na saída do evento. Falta esse entendimento de pensar o movivento dentro de um circuito de economia criativa que pode emancipar esse sujeito subalterno”.
 

O passo contrário da dança


A equipe do site ‘Na Cola do Passinho’ acompanhou um encontro dos grupos no Marco Zero no dia 19 de maio deste ano e após visualizar uma confusão em que policiais militares (PM) agrediram de forma violenta e com o uso de cacetetes pessoas que participavam do evento, as estudantes de jornalismo resolveram conversar com um dos militares que participaram da ação. Ele relatou o seu ponto de vista quanto o uso da violência contra os integrantes do Passinho. Não iremos divulgar o nome do PM na intenção de preservar a imagem do profissional.


 

 


 

 

O militar disse ainda que brigas acontecem em todos os encontros e que muitos jovens se camuflam entre os dançarinos, fazem o uso de drogas e instigam brigas entre as diferentes comunidades. “É igual briga de torcida organizada. Um bairro contra o outro. Em situações como essas, a gente interfere com violência porque infelizmente violência se combate com violência”, relatou. Ele afirmou ainda que durante o tempo em que está na profissão já sofreu muitas agressões e que se sente inseguro diante do Estado que não impõe, segundo ele, “medidas para preservar a vida dos profissionais que fazem a segurança pública”.

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Ele contou que na ocasião, os responsáveis pela segurança na área não sabiam que o encontro de Passinho iria acontecer e que sempre que há conhecimento, a ronda e o número de policiais aumenta na área. “Numa situação como a desse encontro em que são sabíamos do evento, a nossa equipe acaba sendo reduzida e não consegue ter o real controle do local diante da grande quantidade de pessoas que participam”. 

 

Ainda segundo o PM, em situações como essa em que não há efetivo suficiente, a equipe que já está no local informa ao Batalhão responsável pela área sobre o aglomerado de pessoas e equipes que faziam a segurança de outros lugares são deslocados até os encontros de Passinho, fazendo com que nesses casos, as áreas antes monitoradas, fiquem com pouco ou sem nenhum policiamento.

Encontro do Passinho no Marco Zero. Foto: Na Cola do Passinho

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